A prova de Redação do ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio) deste ano de 2017 trouxe como tema a necessidade de se pensar sobre a inclusão de surdos no sistema educacional brasileiro. Um tema relevante para todos aqueles que pensam coletivamente, para todos os que pensam no bem-estar de todos, uma das “exigências implícitas”, corriqueiramente presentes, nos assuntos redacionais abordados por essa avaliação.
Para ajudar a nortear suas reflexões, o estudante poderia ter ser atentado à palavra “desafio”, presente na frase temática “Desafios para a formação educacional de surdos no Brasil”. O substantivo se refere a algo que “precisa ser conquistado”, a algo que “ainda não se tem, mas que se almeja”; a palavra remete a algo que “é difícil de ser conseguido”. Desse primeiro passo de mergulho no valor semântico do termo, o aluno poderia ter imaginado nos seguintes questionamentos: “Por que a formação de surdos no sistema educacional brasileiro ainda não é uma realidade?”, ou “Qual a situação atual da inclusão de surdos no sistema de educação do país?”, ou ainda “Quais as razões que explicam a não inclusão efetiva de surdos nas instituições educacionais do país?”. Perguntas-diretrizes identificadas, os candidatos poderiam começar a vislumbrar possíveis respostas que comporiam o trabalho argumentativo do texto.
Antes até de começar a ler os excertos trazidos na prova, a maioria dos candidatos, usufruindo do conhecimento empírico dos vários problemas brasileiros relacionados à educação, já podia ter rascunhado, mentalmente, um projeto de “resposta”: “há muitos entraves que dificultam uma inclusão efetiva de surdos no sistema educacional nacional”. A lamentável verificação de que, no Brasil, a teoria não se torna realidade prática é um desses entraves que poderia ser utilizado no trabalho argumentativo da dissertação; o que adianta estar assegurado, na Constituição, que todas as pessoas – independentemente de suas necessidades especiais – têm direito à educação se, na realidade, esse direito não lhes é garantido? O descuido com a viabilidade eficiente desse direito à educação também é outro entrave que o estudante poderia acionar, antes mesmo de começar a ler a coletânea, só de recorrer aos seus conhecimentos de “vida real que lhe cerca”: não há busca de viabilização de educação eficiente se não há preparo de profissionais especializados para o processo de ensino-aprendizagem das pessoas com necessidades especiais de audição; se não há investimento na elaboração e na distribuição de materiais especificamente destinados a esse público-alvo.
Na coletânea, do primeiro excerto podiam ser extraídos os detalhes que integram a lei garantidora do acesso total e irrestrito à educação de todas as pessoas portadoras de necessidades especiais; havia detalhes do Capítulo IV que poderiam ser utilizados na elaboração da proposta de intervenção social, por exemplo. O segundo trecho era um gráfico com dados relativos às matrículas de surdos na Educação Básica; os números poderiam orientar o candidato na delineação de um panorama quanto à questão abordada pela prova. O texto III trazia a imagem de uma campanha de conscientização contra o preconceito ligado a surdos no ramo empresarial, o que poderia ter ajudado a aluna e o aluno a entrarem em contato com o fato de que é preciso combater a exclusão dos surdos também após o período de formação educacional. Do excerto IV e último da coletânea, a estudante e o estudante poderiam ter aproveitado a presença de uma espécie de “histórico” relativo ao direito à educação dos surdos no Brasil.
Um tema importante, necessário para uma sociedade que se preocupa com a garantia do direito de todos; em época de tanta intolerância; um assunto que vem a ser um verdadeiro refrigério em um período em que ainda se reverbera – a contragosto de grande parte dos profissionais da área educacional – a decisão judicial que proíbe o ENEM de anular textos que desrespeitem os direitos humanos. Mas que fique registrada uma crítica: já que o tema da prova ensejava à reflexão sobre uma educação inclusiva, por que não reivindicar do candidato um debate acerca de uma educação totalmente inclusiva, que insira não apenas os surdos, mas todos os portadores de alguma necessidade especial? Pessoas com carências cognitivas, alunas e alunos com déficits das mais variadas naturezas, estudantes cegos, alunos e alunas portadores de necessidades especiais de locomoção e tantos outros brasileiros que, por necessitarem de atenções específicas ficam à margem do sistema educacional brasileiro, não se viram representados no questionamento temático da prova de redação desta edição do ENEM. Lamentável.