O Brasil é um dos países mais miscigenados do mundo. Contudo, ainda há diferenças nítidas no que diz respeito à questão racial, pois ainda é muito difícil encontrarmos negros e pardos vivendo em situação igualitária com brancos.
A Lei nº 12.711, conhecida também como Lei de Cotas, foi aprovada em 2012. Com ela, todas as instituições de ensino superior federais do país precisaram, obrigatoriamente, reservar parte de suas vagas para alunos oriundos de escolas públicas, de baixa renda, e negros, pardos e índios.
Dentre os objetivos da criação da Lei de Cotas está o de introduzir e diminuir a desigualdade entre brancos e negros no país. A reserva de vagas começou em 12,5%, nos vestibulares para ingresso em 2013, e subiu gradativamente até chegar aos 50%, em 2016.
A Universidade de Brasília (UnB) foi a primeira instituição federal a aprovar cotas para minorias étnicas e raciais e a primeira instituição brasileira a aprovar cotas exclusivamente para negros.
Muito se fala sobre a importância de ser a favor dessa política pública, mas poucos sabem sobre o quão amplo este debate é.
O Super Vestibular conversou com o presidente da Comissão de Heteroidentificação da Universidade Federal de Goiás (UFG), Pedro Cruz, que nos explicou mais sobre a necessidade das cotas raciais, sobre a importância e também insuficiência da Lei 12.711.
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Por que as cotas são importantes?
Para Pedro Cruz, a Lei de Cotas é, sem dúvida, uma política pública muito importante implementada no país, mas não é o suficiente. A lei ainda não conseguiu fazer a reparação histórica pela qual ela foi criada, por isso, há a necessidade de permanência.
Cruz ainda lembra que a existência dessa Lei se deve a agitação feita pelos movimentos sociais, mais especificamente pelo movimento negro, e que também refletiu muito na elaboração da nova Constituição, em 1988.
“Obviamente entendemos também que o ideal seria que ela não existisse e que todas as pessoas de fato fossem respeitadas de forma igualitária, já que somos seres humanos iguais, mas infelizmente isso não é verdade em nosso país. O racismo é muito perpetuado aqui no Brasil”.
Abaixo alguns argumentos favoráveis às cotas raciais:
1) Oportunidades diferentes
O abismo existente entre escolas públicas e particulares fornecem, claramente, oportunidades distintas a estudantes de classes sociais diferentes.
Sem as cotas para os estudantes de classes sociais menos favorecidas, as cadeiras nas melhores universidades continuarão sendo conquistadas por candidatos com melhor estabilidade financeira. O ideal seria qualificar o ensino público, mas isso levaria décadas.
2) Dívida histórica
Chamamos de dívida histórica elementos como a escravidão e a exploração, que fizeram parte do passado histórico do nosso país e que acentuaram questões de desigualdades, deixando de lado a justiça contra momentos de abusos.
Por conta desse fator, se vê a necessidade de políticas afirmativas em favor de populações subalternizadas, com objetivo de resgatar injustiças passadas e dissolvê-las.
O objetivo compreende a reparação das desigualdades práticas da vida cidadã e das instituições, permitindo a atuação democrática das partes da sociedade, em completo respeito às suas diferenças.
Além da dívida histórica que o país tem com os afrodescendentes por anos de exploração, a Lei de Cotas também veio para minimizar as diferenças raciais e socioeconômicas que sempre existiram no Brasil.
3) Sociedade brasileira racista
Infelizmente, o racismo ainda é um problema estrutural do Brasil. O racismo mata e exclui, colocando à margem da sociedade um conjunto muito grande de pessoas.
De acordo com Pedro, as prisões são um exemplo de racismo estrutural no Brasil. “Quem é que está lá [prisão] em sua grande maioria? Quem é que está excluído do mercado de trabalho quando nós olhamos para os postos de comando das empresas?”, indaga.
“Os negros não estão nos espaços de representação na sociedade. A gente olha para o Congresso Nacional e são poucas pessoas negras naquela comunidade. Essa é a atual representação da sociedade brasileira”.
O presidente da comissão reforça que é preciso que existam esses mecanismos não para sanar o problema, pois estes são de âmbito social, mas como uma forma de amenizar os impactos e ações promovidas pelo racismo, seja ele social, que é quando a sociedade vai excluindo automaticamente o negro, seja também pelo racismo institucional, que é reproduzido pelas nossas instituições do estado e que marca, por exemplo, a questão da violência pelo braço armado.
Para ele, a Lei deve sim ser revista, até pelo fato de a mesma possuir falhas, mas que ela seja aperfeiçoada e não banida. “Ainda há muito o que se fazer para consolidar essas políticas, mas temos muitas instituições empenhadas nesta luta”.
Permanência do estudante negro com cotas na universidade
Nas universidades públicas, o trabalho das comissões de heteroidentificação se estende durante toda a vida universitária do estudante. Além disso, existe o Fórum Nacional de Efetivação das Cotas, que discute constantemente o que deve ser aperfeiçoado na política de ações afirmativas.
Existe um mito de que os estudantes cotistas não conseguem acompanhar os demais estudantes e abandonam o curso. Na verdade, a evasão do aluno cotista é baixa. “Isso mostra que faltava somente a oportunidade. Eles [cotistas] têm a visão de que se me deram a oportunidade, vão aproveitar até o último minuto”, finaliza Pedro Cruz.
Em 2012, as vagas das universidades públicas eram ocupadas por apenas 37% de pessoas negras e pardas, enquanto elas representam 55% da população. Em menos de 10 anos da Lei de Cotas, pretos e pardos já são 51% dos estudantes no ensino superior público.