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Os dois lados do trote universitário

Ao mesmo tempo em que o trote universitário pode auxiliar na interação dos estudantes, ele também é capaz de provocar danos irreparáveis.

Publicado por Wanja Borges
Registrar denúncias na reitoria e/ou na polícia é fundamental para combater os excessos do trote universitário

Originado na Europa, em plena Idade Média, o trote universitário já passou por diferentes fases nesses mais de 600 anos de existência. Prática tradicional em grande parte das universidades do país, a “brincadeira” representa, na maioria das vezes, interação entre os universitários, mas também já teve o abuso, violência e inconsequência como palavras sinônimas. 

Hoje em dia, o trote estudantil está aliado ao bom senso em grande parte das instituições. Nesses casos, veteranos se restringem a raspar as cabeças e pintar os rostos e roupas dos “bixos” e “bixetes” ou fazê-los pedir dinheiro no semáforo e aprender dancinhas engraçadas com o único objetivo de interagir com os calouros.

Na Universidade Federal do Paraná (UFPR), por exemplo, os calouros comemoram a aprovação no vestibular com o tradicional banho de lama junto com familiares, professores e veteranos. O ritual também é adotado pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP), que promove, ainda, banho de tinta e leite condensado e brincadeiras com ovo e farinha e futebol de sabão. 


Calouros da UFPR comemoram com o tradicional banho de lama /Crédito: Leonardo Bettinelli

Ainda assim, não se pode negar que os casos de excesso e abuso em trotes universitários ainda existem e devem ser combatidos. 

Trotes abusivos 

Segundo especialistas, a expressão é originada do ato de “trotar”, domesticação vexatória aplicada a cavalos. Sua etimologia pode ser um dos argumentos utilizados para explicar os excessos adotados pela prática, mas não justifica as proporções inimagináveis e as sérias consequências ocasionadas por ela nos últimos anos, como acidentes, internações, depressões, desistências e até mortes.

A necessidade de distinguir os alunos novos dos antigos acaba resultando em práticas sérias e violentas, como a utilização de bebidas alcoólicas e produtos químicos, além da imposição de situações de humilhação pública e agressões físicas e psicológicas. Nessas circunstâncias, geralmente, os calouros não possuem liberdade de escolha e se veem obrigados a participar das brincadeiras sem graça. 


Alguns trotes violentos já terminaram em morte de calouro

O mais grave, ainda, é que esse tipo de trote é responsável pela construção de um ciclo vicioso, em que o excesso nunca tem fim. A premissa maior, aqui, é descontar no calouro todos os sofrimentos e humilhações que o veterano sofreu enquanto “bixo”, com represálias de todo o tipo para garantir a participação compulsória dos novatos. 

Trotes solidários

Com a deflagração de acidentes e, inclusive, mortes, muitas instituições de ensino superior decidiram pelo fim dos trotes e passaram a adotar medidas alternativas, como atividades solidárias e culturais, para coibir a violência na universidade. 

Na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), por exemplo, desde 2004 a instituição promove ações socioambientais com o objetivo de integrar os calouros e veteranos da Escola de Administração. As ações incluem distribuição de mudas de plantas, mutirão de doação de sangue e gincana para arrecadação de alimentos, itens de higiene e limpeza, roupas, calçados e outros materiais que são doados para instituições filantrópicas parceiras.


A doação de sangue é um bom exemplo de trote solidário

A boa ação também é compartilhada por outras importantes instituições do país, como a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), a USP e a Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).

A Unicamp realiza visitas a orfanatos, asilos e cooperativas, além de oficinas de reciclagem e dinâmica de grupo. A USP promove campanhas de doação de sangue, medula óssea e vacinação, palestras sobre saúde, arrecadação de alimentos, visitas a instituições de assistência social, trabalho voluntário, plantio de árvores, entre outras ações. Já a PUC-SP trabalha com dinâmicas de entretenimento e faz parcerias com ONGs e instituições de caridade.

Alternativas

Mesmo com a adoção de trotes solidários e culturais, a prática de situações vexatórias não deixou de ser adotada integralmente, principalmente em espaços fora das instituições. Algumas repúblicas, por exemplo, continuam sendo palco de tortura. Neste caso, evitar prestigiar festas de boas-vindas, ir à faculdade somente algumas semanas após iniciadas as aulas e recorrer aos veteranos fiscais são algumas das formas adotadas por ingressantes para evitar o trote abusivo. 

Além disso, algumas instituições disponibilizam números de telefones gratuitos para denúncias desse tipo de trote, como acontece na USP, e outras fornecem outros meios de contato para registro da reclamação. Na Universidade Federal Fluminense (UFF), por exemplo, os diretórios dos cursos são notificados com uma carta formal da instituição sobre os casos em que são constatados excessos. Denúncias na polícia também são indicadas em alguns casos.

Todo cuidado é pouco, mas não há o que temer. Hoje, a situação está mais controlada, em comparação aos tristes episódios conhecidos. Adotar um posicionamento fora do padrão de repetição, incentivar a humanização dos trotes estudantis e não se sujeitar a práticas vexatórias são outros métodos capazes de auxiliar na mudança deste cenário. Trote Universitário é para celebrar uma conquista alcançada, não para transformar sonho em pesadelo. 

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